Após intenso debate em Audiência Pública, a Câmara Municipal de Ponte Nova (MG) decidiu arquivar o Projeto de Lei Substitutivo nº 04/2025, conhecido como PL das Músicas, e propôs um novo formato com foco educacional. A proposta original visava proibir a execução de músicas com letras que fizessem apologia ao crime, uso de drogas ilícitas, violência, discurso de ódio ou discriminação em escolas públicas e eventos patrocinados pelo poder público.
Pontos Centrais do Debate
Argumentos a favor do PL:
- Proteção da infância e juventude, especialmente em eventos públicos com presença de crianças.
- Evitar o uso de verba pública para conteúdos que possam infringir o Código Penal (ex.: apologia ao crime).
- Estabelecer limites para o que é transmitido em espaços públicos, segundo valores comunitários.
- Exemplo citado: episódio de Carnaval com letras sexualmente explícitas próximas a famílias e residências.
Argumentos contra o PL:
- Risco de censura prévia e violação da liberdade de expressão artística (Art. 5º, IX, e Art. 215 da Constituição).
- Termos vagos e subjetivos (ex.: o que é “apologia”?), o que poderia abrir margem para arbitrariedades.
- Estigmatização da cultura periférica, como funk, rap e trap, frequentemente associados à realidade das favelas.
- Impossibilidade prática de fiscalização sem criar um mecanismo semelhante ao da censura da ditadura militar.
- Preocupação com o silenciamento de vozes populares e narrativas de marginalização.
Audiência Pública: Um Espaço de Escuta e Confronto
A sessão contou com ampla participação da sociedade civil, artistas locais, professores e parlamentares. Músicos periféricos argumentaram que a proposta representava uma tentativa de “calar” a cultura das favelas. Um dos depoimentos mais marcantes foi o de Halan Santos, que defendeu que a favela ocupe espaços e seja ouvida, não silenciada.
Por outro lado, apoiadores como o Pastor Fabiano e o vereador Marcinho de Belim insistiram que o foco do projeto era resguardar valores familiares e não censurar gêneros musicais.
Mudança de Rumo: Educação no Lugar da Proibição
O ponto de inflexão veio quando o próprio autor, vereador Wagner Gomides (PV), propôs transformar o PL em uma iniciativa educacional. A nova proposta pretende utilizar músicas com conteúdos controversos como ponto de partida para debate crítico nas escolas, abordando:
- Por que certas realidades geram esse tipo de música?
- Como transformar a realidade social refletida nas letras?
- De que maneira a cultura pode ser ferramenta de conscientização e superação?
Reflexão Legal e Cultural
O que dizem a Constituição e o Código Penal?
- Art. 5º, IX da CF/88: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
- Art. 215 da CF/88: o Estado deve “garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”.
- Código Penal: Proíbe incitação ao crime (Art. 286) e apologia pública a fato criminoso (Art. 287) — mas isso não se aplica automaticamente a obras artísticas sem dolo claro ou incitação direta.
Caminhos Propositivos: Cultura que Educa, Não Reprime
A mudança para um projeto educacional pode representar um avanço democrático e cultural, por pelo menos três motivos:
- Evita a censura e promove o pensamento crítico.
- Inclui as comunidades periféricas no processo de construção cultural, em vez de excluí-las.
- Reforça a função social da cultura como espaço de transformação, e não de punição.
Conclusão: Liberdade com Responsabilidade, Cultura com Diálogo
A decisão de arquivar o PL das Músicas em Ponte Nova demonstra maturidade política e respeito à pluralidade cultural. Em vez de proibir, o novo caminho busca educar e dialogar, reconhecendo que a arte é expressão da realidade — e também ferramenta para transformá-la.
Informação: Câmara de Ponte Nova